domingo, 12 de junho de 2011

Testemunhos sobre o 25 de Abril de 74

Para realizar este trabalho, pedi os testemunhos da minha madrinha (que era professora) e da minha avó. Ambas viveram o antes e o após 25 de Abril. Recordam que foram tempos difíceis, para os mais pobres, porque, como sempre, os ricos e os mais importantes nunca tiveram problemas. Dizem que a série “Conta-me Como Foi” explica muito bem como se vivia, as dificuldades e os abusos. Aliás, a minha madrinha referiu que a série é das melhores coisas que retratam o antes do 25 de Abril. Recorda a casa onde morava e dá-se conta que as mobílias e acessórios eram parecidíssimos com os da séria da RTP. Dizem que os mais pobres não comiam o que queriam ou precisavam, “comiam o que havia”…
Avó, no emprego (farmácia) que dura até aos dia de hoje
E as opiniões e experiências são comuns às duas…
Antes do 25 de Abril de 1974, tudo era muito diferente. A liberdade de expressão era inexistente. Sindicatos e associações livres eram algo impensável. Havia uma polícia política que controlava não só os cidadãos como as próprias instituições (a PIDE). Havia uma única organização política, a União Popular/Acção Popular, não havendo eleições livres. Quem se opunha ao regime era perseguido pela PIDE e tinha que passar à clandestinidade ou refugiar-se no exílio.
Havia presos políticos, e as manifestações eram proibidas. A Constituição não garantia os direitos dos cidadãos e Portugal mantinha uma guerra colonial (o que fazia com que não houvesse nem liberdade nem paz), encontrando-se praticamente isolado do resto da Europa.
A informação e as formas de expressão cultural eram controladas. A censura abrangia toda a imprensa, cinema, teatro, artes plásticas, música e escrita. Não havia liberdade de expressão.
As pessoas viviam mal e não tinham trabalho para poderem sustentar a família.

Madrinha, na sua juventude, na casa onde vivia.
Muitas emigravam, principalmente para França. No interior, ainda se vivia sobretudo da agricultura.
O azeite era considerado um dos produtos mais valiosos. Dois ou três anos antes do 25 de Abril construiu-se uma fábrica de pasta de papel em Vila Velha de Ródão, que dura até aos dias de hoje. “Naquela altura não se falava de ambiente e a fábrica deu emprego a centenas de pessoas, o que gerou uma riqueza importante para a zona”. – Comentou a minha avó.
Nas escolas, os recreios e as turmas eram separadas – rapazes de raparigas – era essa a educação julgada aconselhável para manter os bons costumes. Depois da chamada Escola Primária, as crianças deslocavam-se para as cidades. Alguns anos antes do 25 de Abril, apareceram as “Telescolas”. Os alunos assistiam a aulas pela televisão e eram apoiados por um professor residente. Desta maneira, faziam dois anos, o correspondente ao 5.º e 6.º anos actuais. Depois ingressavam nos liceus ou nas escolas comerciais e industriais. Só já muito perto do 25 de Abril se começaram a difundir os ciclos preparatórios, onde os alunos já tinham um professor por cada disciplina.
Pouca gente ia estudar, principalmente a partir do 5.º ano – actual 9.º ano.
Ambas fizeram questão de recordar que houve um familiar que esteve preso (em Caxias) e outro que pertencia a PIDE! – era uma situação comum a muitas famílias.
Avós, após o casamento.

Hoje é difícil imaginar como era Portugal antes do 25 de Abril de 1974, numa altura em que a palavra democracia não fazia parte do vocabulário corrente. Tudo mudou: de um Estado que não permitia nenhum “descontrolo” passou-se aos excessos: “lembro-me de, logo no pós 25 de Abril, os alunos fumarem nas salas de aulas, sem que ninguém tivesse coragem de lhes dizer nada.”
Entretanto, as coisas foram mudando. No entanto, mesmo após o 25 de Abril, era bem visível a diferença entre o interior e as grandes cidades. Se quisessem comprar algum produto, agora dito vulgar, teriam que se deslocar até estas, pois só aí existiam. Mas, com o tempo, tornou-se mais fácil o acesso aos bens.

A agricultura a pouco a pouco foi abandonada. Houve algum desenvolvimento das indústrias e dos serviços que empregaram parte da população. Os idosos passaram a ter direito a uma reforma que mesmo sendo pequena era uma melhoria. O nível de vida melhorou bastante.
Houve uma alteração bastante grande no ensino. Abriram-se mais escolas e terminou a Telescola. Abriu-se a possibilidade de estudar e ingresso no ensino superior a um grande número de pessoas. Um aspecto negativo foi o de muitas pessoas que passaram a dar aulas sem terem preparação para o fazer. Nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, era comum ver jovens com o antigo 7.º ano – actual 11.º ano – a dar aulas no Ciclo Preparatório (5.º e 6.º ano actuais). Isto levou a um decréscimo da qualidade no ensino. Foi um dos excessos que foram sendo corrigidos com o tempo.
Alunos da Escola Industrial e Comercial com a professora, a minha madrinha.
 As comunicações tornaram-se mais fáceis, nomeadamente pela melhoria das vias de comunicação.
As pessoas passaram a poder exprimir livremente as suas opiniões, sem correrem o risco de sofrer consequências por isso. Criaram-se os sindicatos e passou a haver liberdade de associação.
Deixou de haver censura, desenvolveram-se os média e generalizou-se a televisão. As mulheres tiveram maior acesso ao mercado de trabalho e a sua condição social melhorou, para o que teve grande importância o aumento dos estabelecimentos como creches e jardins-de-infância.
Adaptação às tecnologias – madrinha.

Acabou a Guerra Colonial. Os “retornados”, que vieram das ex-colónias, com experiencias e maneiras de pensar diferentes, por um lado vieram trazer alguns conflitos, mas trouxeram também uma nova visão da vida e da realidade e a abertura a novas experiências.
Realmente, hoje, é difícil imaginar viver como se vivia antes do 25 de Abril. Mas não só por causa do regime político. As coisas evoluíram muito rápido e é difícil imaginar, para os jovens de hoje, viver sem internet, sem telemóveis e nalguns casos sem luz eléctrica.
Nem todas estas alterações se devem, logicamente, só 25 de Abril, mas à evolução da tecnologia e também, claro, a um regime livre que permite o acesso a esses bens. Não esqueçamos que até há bem pouco tempo, em Cuba, não era permitido ter telemóvel ou que na China não é permitido o acesso a muitos site.
Afinal, é bom viver em liberdade!
Avó e neta.
Marta Semedo

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