domingo, 12 de junho de 2011

Guerra Colonial -Histórias de um avô-

O meu avô, José da Conceição Brazão, foi militar e combateu na Guerra do Ultramar. Contou-me como foi e vou tentar transmitir um pouco dessa sua experiência.
Em finais de 1960/princípio de 1961, o meu avô estava na tropa e foi informado de que iria combater nesta guerra. Começou a preparação, no quartel de Beja, que durou 11 meses. Durante este período de tempo, ele e os seus camaradas sofreram dois tipos de preparação: física e psicológica. A preparação física consistia em treinos intensivos, para que adquirissem mais força, agilidade e traquejo, no manuseamento de armas; a preparação psicológica servia para que estivessem minimamente conscientes daquilo que iriam vivenciar em África e para que tivessem a noção de que teriam de matar para não morrer, que iriam estar sujeitos “à lei da sobrevivência”.
Foram dados 10 dias livres aos militares, antes de partirem, para que tivessem a possibilidade de se despedirem das famílias.
A 13 de Dezembro de 1961, o meu avô e cerca de mais 4000 homens partiram para África, a bordo do navio Angola, onde lhes foi dada a informação de onde iria ser o desembarque: Luanda.
A viagem durou 10 dias e chegaram a Luanda dia 23 de Dezembro de 1961. Aí havia um aquartelamento, em Bessa Monteiro que tinha pouquíssimas condições, comparativamente com aquilo a que estamos habituados: os quartos eram pequeníssimos, não havia muita higiene, a cozinha era em céu aberto. Ainda assim, este local era fantástico, pois as situações a que os combatentes foram sujeitos, durante a guerra, eram terríveis.
O aquartelamento era um local onde estes homens estavam durante pouco tempo, pois passavam a maior parte da sua estadia combatendo no campo. Este tipo de combate tinha como objectivo “limpar terreno”, ou seja, afastar o mais possível o inimigo, “conquistando” a maior área de terreno que conseguissem.
Os indivíduos de origem africana tinham uma certa vantagem neste tipo de combate, pois conheciam melhor o terreno e estavam habituados às suas condições. Os portugueses tiveram de se adaptar à diferença da fauna, flora e clima, o que revelou ter um grau de dificuldade bastante elevado.
A vegetação era muito densa e crescia muito rapidamente. Para desobstruir e facilitar a movimentação em campo, a vegetação era posta a arder, mas, como eram áreas demasiado extensas, o fogo demorava bastante tempo a consumir toda a área plantada e, simultaneamente, a área já desbravada pelas chamas crescia e tomava novamente a sua densidade e dimensões.
Os animais presentes neste continente são de uma diversidade estonteante e a maior parte deles têm uma conotação negativa, sendo incluídos na “lista” de animais que consideramos perigosos.
Mas os militares em terreno tiveram de aprender a lidar com todos estes factores e a seguir em frente. A título de curiosidade, tinham até uma cadela de estimação, à qual chamaram “Bessa” (por ser o nome do local onde estavam - Bessa Monteiro) e o meu avô encontrou um macaquinho ao qual chamou “Chico”.
O clima era inconstante, com temperaturas muito elevadas e com uma pluviosidade inconstante.
Para além de todas estas condicionantes de carácter natural, o combate em campo era muito duro, a nível da alimentação (só consumiam ração de combate - que eram quantidades mínimas de alimento) e também a nível psicológico. Foram perdidas muitas vidas, nestas guerrilhas, e era de um peso emocional enorme ver os camaradas morrerem e ter de continuar a combater e a matar. Era uma nova actividade que se tornou rotineira, matar. O peso de matar e ver morrer afectava muito os combatentes, era toda uma enorme sobrecarga emocional sobre eles. Estavam longe de casa, num ambiente diferente, hostil e a passar por situações de crescente stress.
Este combate podia durar dias e até semanas e era também fisicamente desgastante estar todo este tempo com uma pesada mochila às costas, com uma arma e a combater.
No início, as armas dos indivíduos africanos eram menos potentes que as levadas pelos portugueses, mas, pouco a pouco, a Rússia ia-lhes fornecendo cada vez melhor armamento.
 Ao contrário do que o meu avô pensava, os militares portugueses tinham uma convivência pacífica com os civis africanos. Os angolanos em combate fazim parte de uma organização militar (UPA - União dos Povos de Angola; e mais tarde MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola).
Em Angola, passou por vários sítios: São Salvador do Congo, Noki, Bessa Monteiro, entre outros.
Foi em Angola que o meu avô se casou com a minha avó, chamavam-se os casamentos por procuração.
O único contacto com a família era feito por aerogramas, em que era expressa toda a saudade sentida e por vezes omitido muito do “terror” vivido interiormente.
Muitos militares não aguentavam toda a pressão e a sua estadia era apenas de meses, sendo constantemente substituídos por outros.
A estadia do meu avô foi de 3 anos, pois o General Spínola teve de ir para a Guiné e o convite feito pelo mesmo, para que o acompanhasse, foi recusado.
Assim, em Abril de 1964, este meu parente regressou a casa, com inúmeras recordações e histórias para contar.

Patrícia Brazão

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