domingo, 12 de junho de 2011

A Infância do meu avô

Nos dias de hoje não temos consciência das dificuldades que se passavam no tempo dos nossos avós, conversei com o meu avô e descreveu-me como foi a sua infância/juventude:
Comecei muito cedo a ajudar os meus pais, com 3/4 anos já guardava ovelhas. Não havia nada com que brincássemos apenas guardávamos o gado. Quando entrei para a escola com 8 anos, fiz a 1ª e 2ª classe no mesmo ano, depois fiz a 3ª e a 4ª. Levei muitas reguadas por ajudar os meus colegas, escrevia em papelinhos e depois passava por baixo das mesas, mas a professora via sempre. Cheguei a levar 24 reguadas em cada mão, e dessa vez avisei-a que era a ultima vez que me batia, então não fiz os deveres para o dia seguinte. Antes de sair de casa para ir para a escola, esfreguei as minhas mãos com vinagre e sal, quando a professora me procurou pelos deveres disse-lhe que não os tinha feito, então ela deu-me uma reguada e a régua partiu-se! Só que depois foi pior porque bateu-me com o resto da régua que ainda tinha e deu-me uns valentes puxões de orelhas.
Mas era eu que a ajudava a ensinar os alunos da 3ª classe. Da parte da manhã os da 1ª e 2ª classe ficavam com ela numa sala, e à tarde ficavam com ela os da 4ª, e eu ficava a ensinar os da 3ª até ela nos chamar para irmos para ao pé dela.
Saí da escola com 11 anos, desde aí comecei a cuidar das ovelhas sozinho. Eram 40 ovelhas e tinha de as ir pastar para outra aldeia que ficava a 4km de distância da minha. Depois de fazer isso ainda tinha de as ordenar, coar o leite e depois fazer os queijos. Recebia dinheiro mas tinha de o entregar todo aos meus pais.
Aos 12 anos o meu pai entregou-me 80 ovelhas, tinha novamente que as ir pastar para a outra aldeia, deixava-as lá e voltava para casa com 40L de leite em cada braço. Andei até aos 18 anos só a guardar ovelhas, e não havia tempo para andar por festas, saía às vezes no sábado ou domingo à noite para ir namorar mas tinha de voltar cedo para casa, pois saía de casa antes de o sol nascer e só chegava quando ao por do sol. Fui para a tropa, depois fui obrigado a ir para a guerra do Ultramar. Voltei com 24 anos, casei-me e tive a minha primeira filha com 26.


Daniela Calmeiro

No tempo do Salazar…

Vou escrever sobre a vida do meu avô, no tempo de Salazar, por volta dos anos 60. Não tem muita informação mas dá para perceber como eram aqueles tempos.
“O tempo do Salazar era uma escravidão! Não se podia dizer nem vestir o que queríamos havia pessoas disfarçadas na rua para nos controlar, se houvesse alguém que fosse apanhado a dizer mal do Salazar ia preso ou tinha de pagar uma multa. Havia hinos, fardas, dias especiais para as comemorações...
Salazar foi um bom governador mas era um homem muito mau, era puro, um homem sério e foi ele que nos livrou da má situação do nosso país. Trabalhávamos do nascer ao pôr do sol como uns escravos e só recebíamos 5 reis. Às 9h tocava o sino do silêncio e tínhamos de ir para casa, quem fosse apanhado na rua depois dessa hora os homens da Policia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) apanhava-os e eram presos de imediato. Salazar, dizia que nos livrava da guerra mas que da fome não.
O que Salazar ordenava tinha de ser feito e não podia haver queixas nenhumas. Mandou construir a ponte sobre o Rio Tejo, ponte de Salazar hoje ponte 25 de Abril, esta foi uma das grandes obras que deixou no nosso país... Não havia nem rádio nem televisão, era uma autêntica prisão.”
Através de esta pequena conversa, pude saber das dificuldades.


Daniela Calmeiro

O meu avô e a minha avó e a vida nos anos 50 e 60

O meu avô e a minha avó nasceram em 1940 e em 1947, respectivamente. Chamam-se Amílcar e Cidália.
Para realizar este trabalho, pedi aos meus avós que me contassem um pouco da sua história, da sua infância. E chegaram-me dois testemunhos bem interessantes:
O meu avô nasceu em 1940, numa família bastante pobre, em Pataias. Os seus pais foram trabalhar para Alcanhões, na agricultura, enquanto o meu avô, desde muito cedo, ficou a guardar gado em casa, em vez de frequentar a escola primária. Os seus dois irmãos iam para os terrenos caseiros trabalhar.
Alguns anos depois, saiu um decreto de Américo Tomás que ordenava a todos os rapazes que fossem à escola.
E assim foi. O meu avô frequentou a escola durante dois anos. Era uma escola apenas para rapazes e ele e os seus irmãos deslocavam-se a pé para lá, descalços, quer fizesse neve ou sol. Da escola primária, o meu avô lembra-se das brincadeiras: jogava-se com um pião de madeira e faziam-se corridas com aros de bicicleta.
Os alunos da escola dividiam-se em “parte de baixo da escola” e em “parte de cima da escola”. Era frequente haver cenas de pancada muito violentas entre os dois “grupos” com fisgas e material escolar. Quando chegavam a casa, nada diziam aos pais, mesmo se estivessem feridos, porque isso significaria um grande castigo.
Passados dois anos, o meu avô voltou a sair da escola e foi trabalhar para uma oficina em Alcanhões. Lá, aprendeu a arranjar carros e outras peças de engenharia.
Passado algum tempo, convidaram-no para entrar para uma equipa de ciclismo regional. Como era obrigatório ter a 4ª classe para se entrar no deporto federado, o meu avô voltou para a escola com 18 anos. Fez o serviço militar dos 21 aos 24, e depois casou com a minha avó.
A minha avó nasceu em 1947 em Santarém e depois foi viver para uma aldeia aí perto, São Domingos. Nasceu numa família com algumas posses, porque o pai era contínuo numa escola agrícola e a mãe era dona de casa e tinham um terreno onde cultivavam uma boa parte do seu sustento.
Tinha que se deslocar todos os dias 3 km para a escola, que ficava em Santarém. Apenas tirou a 4ª classe e esteve 7 anos para a tirar. A taxa de chumbo naquela altura era bastante elevada, diz ela. Era uma escola unicamente para raparigas e o material escolar era constituído por uma pedra de ardósia, onde se escrevia com uma pena. Mais tarde, passou a haver cadernos.
Brincava-se na rua, com rodas e jogos no chão, com pedras.
Depois de ter feito a 4ª classe, saiu da escola e foi aprender a bordar e a costurar. Casou com 17 anos e teve o primeiro filho aos 18.

Rodrigo Policarpo

Guerra Colonial -Histórias de um avô-

O meu avô, José da Conceição Brazão, foi militar e combateu na Guerra do Ultramar. Contou-me como foi e vou tentar transmitir um pouco dessa sua experiência.
Em finais de 1960/princípio de 1961, o meu avô estava na tropa e foi informado de que iria combater nesta guerra. Começou a preparação, no quartel de Beja, que durou 11 meses. Durante este período de tempo, ele e os seus camaradas sofreram dois tipos de preparação: física e psicológica. A preparação física consistia em treinos intensivos, para que adquirissem mais força, agilidade e traquejo, no manuseamento de armas; a preparação psicológica servia para que estivessem minimamente conscientes daquilo que iriam vivenciar em África e para que tivessem a noção de que teriam de matar para não morrer, que iriam estar sujeitos “à lei da sobrevivência”.
Foram dados 10 dias livres aos militares, antes de partirem, para que tivessem a possibilidade de se despedirem das famílias.
A 13 de Dezembro de 1961, o meu avô e cerca de mais 4000 homens partiram para África, a bordo do navio Angola, onde lhes foi dada a informação de onde iria ser o desembarque: Luanda.
A viagem durou 10 dias e chegaram a Luanda dia 23 de Dezembro de 1961. Aí havia um aquartelamento, em Bessa Monteiro que tinha pouquíssimas condições, comparativamente com aquilo a que estamos habituados: os quartos eram pequeníssimos, não havia muita higiene, a cozinha era em céu aberto. Ainda assim, este local era fantástico, pois as situações a que os combatentes foram sujeitos, durante a guerra, eram terríveis.
O aquartelamento era um local onde estes homens estavam durante pouco tempo, pois passavam a maior parte da sua estadia combatendo no campo. Este tipo de combate tinha como objectivo “limpar terreno”, ou seja, afastar o mais possível o inimigo, “conquistando” a maior área de terreno que conseguissem.
Os indivíduos de origem africana tinham uma certa vantagem neste tipo de combate, pois conheciam melhor o terreno e estavam habituados às suas condições. Os portugueses tiveram de se adaptar à diferença da fauna, flora e clima, o que revelou ter um grau de dificuldade bastante elevado.
A vegetação era muito densa e crescia muito rapidamente. Para desobstruir e facilitar a movimentação em campo, a vegetação era posta a arder, mas, como eram áreas demasiado extensas, o fogo demorava bastante tempo a consumir toda a área plantada e, simultaneamente, a área já desbravada pelas chamas crescia e tomava novamente a sua densidade e dimensões.
Os animais presentes neste continente são de uma diversidade estonteante e a maior parte deles têm uma conotação negativa, sendo incluídos na “lista” de animais que consideramos perigosos.
Mas os militares em terreno tiveram de aprender a lidar com todos estes factores e a seguir em frente. A título de curiosidade, tinham até uma cadela de estimação, à qual chamaram “Bessa” (por ser o nome do local onde estavam - Bessa Monteiro) e o meu avô encontrou um macaquinho ao qual chamou “Chico”.
O clima era inconstante, com temperaturas muito elevadas e com uma pluviosidade inconstante.
Para além de todas estas condicionantes de carácter natural, o combate em campo era muito duro, a nível da alimentação (só consumiam ração de combate - que eram quantidades mínimas de alimento) e também a nível psicológico. Foram perdidas muitas vidas, nestas guerrilhas, e era de um peso emocional enorme ver os camaradas morrerem e ter de continuar a combater e a matar. Era uma nova actividade que se tornou rotineira, matar. O peso de matar e ver morrer afectava muito os combatentes, era toda uma enorme sobrecarga emocional sobre eles. Estavam longe de casa, num ambiente diferente, hostil e a passar por situações de crescente stress.
Este combate podia durar dias e até semanas e era também fisicamente desgastante estar todo este tempo com uma pesada mochila às costas, com uma arma e a combater.
No início, as armas dos indivíduos africanos eram menos potentes que as levadas pelos portugueses, mas, pouco a pouco, a Rússia ia-lhes fornecendo cada vez melhor armamento.
 Ao contrário do que o meu avô pensava, os militares portugueses tinham uma convivência pacífica com os civis africanos. Os angolanos em combate fazim parte de uma organização militar (UPA - União dos Povos de Angola; e mais tarde MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola).
Em Angola, passou por vários sítios: São Salvador do Congo, Noki, Bessa Monteiro, entre outros.
Foi em Angola que o meu avô se casou com a minha avó, chamavam-se os casamentos por procuração.
O único contacto com a família era feito por aerogramas, em que era expressa toda a saudade sentida e por vezes omitido muito do “terror” vivido interiormente.
Muitos militares não aguentavam toda a pressão e a sua estadia era apenas de meses, sendo constantemente substituídos por outros.
A estadia do meu avô foi de 3 anos, pois o General Spínola teve de ir para a Guiné e o convite feito pelo mesmo, para que o acompanhasse, foi recusado.
Assim, em Abril de 1964, este meu parente regressou a casa, com inúmeras recordações e histórias para contar.

Patrícia Brazão

Guerra Colonial (Ultramar)


 Com este trabalho pretendo demonstrar pelo que o meu avô passou quando esteve nas colónias africanas, mais tarde chamadas de territórios ultramarinos.

Síntese do percurso da viagem :
 Narciso Louro da Ponte (meu avô) saiu de Lisboa com cerca de 20 anos, no dia 20 Julho de 1962, com destino a Moçambique. Desembarcou a 10 de Agosto de 1962.
Cerca de 2 anos depois embarcou em Moçambique, a 21 de Novembro de 1964, de regresso, com destino a Lisboa. Desembarcou em Lisboa a 21 de Dezembro de 1964. 

Narciso Louro da Ponte fez parte da companhia 367, de 1962.
Uma companhia é uma parte do exército (150/250 homens) e divide-se em 4 pelotões, sendo que cada pelotão se subdivide em 4 secções (cada secção tinha 11/12 homens) e cada secção se fragmenta em 4 esquadras (cada uma com 4 homens).

Quando Narciso Louro da Ponte  embarcou em Lisboa, no Paquete Angola (barco), rumo a Moçambique ( Mueda), fez diversas paragens:
·        Madeira, Funchal
·        Guiné Bissau (não desembarcou)
·        São Tomé e Príncipe (desembarcou)
·        Angola, Luanda (desembarcou)
·        Angola, Lobito (desembarcou)
·        Angola, Mosanto (desembarcou)
·        África do Sul, Cidade do Cabo (desembarcou)
·        Moçambique, Lourenço Marques (desembarcou)
·        Moçambique, Cidade da Beira (desembarque)
·        Porto Amélia, capital de Cabo Delgado (desembarque, fim da viagem de barco)
·        Montepuez
·        Nairoto
·        Mueda (destino)
No total, a viagem foi de aproximadamente 1mês de barco e cerca de 3/4  dias de viaturas (colunas militares).
Narciso Louro da Ponte teve 2 anos e 5 meses, em Mueda, com o propósito de substituir a companhia  nº 64 de 1960.
Em Mueda as tropas:
·        faziam reconhecimentos;
·        marcavam presença nas diferentes  povoações;
·        conviviam com os povos;
·        evitavam distúrbios que pudessem provocar guerra, sendo que as tropas estiveram 2 anos sem vestígios de terrorismo.
Já no final, houve um primeiro ataque terrorista contra a companhia. Nesse ataque, a 16 de Novembro de 1964, deram-se várias mortes, nomeadamente a do cabo condutor do jipe.  

Normalmente, os reconhecimentos duravam 8 dias e tinham como objectivo explorar os territórios que já tinham sido visitados. Cada Pelotão ia a povoações que já eram conhecidas, ver se estava tudo bem, se precisavam de algo. Pernoitavam nessas povoações e ao fim do tempo estabelecido voltavam a Mueda.

No quartel existiam as formaturas, uma equipa de futebol e existiam demonstrações de ginástica, sobretudo em dias comemorativos, como o 10 de Junho de 1962/1963/1964.

A tropa a que pertencia Narciso, era chamada de tropa cocuana, ou seja, velha, porque era a que há mais tempo lá estava, a companhia mais antiga.

Em 1964, Narciso desembarcou em Lisboa, no cais Conde de Óbidos, onde o esperava a sua família.


Ânia Morgadinho